Dia 19 de abril comemora-se o dia índio. Pois bem, esse dia deveria ser chamado
de Dia dos Povos Indígenas. É comum vermos pinturas que mostram imagens dos
primeiros habitantes do Brasil, nus, sorridentes e felizes sendo catequisados pelos
portugueses. Essas mesmas pinturas mostram somente a colonização por meio da cruz,
e deixam de lado a conquista pela espada e pelas doenças trazidas pelos europeus. Há
quem diga que a “história” do Brasil começou em 1500.
Como forma de rememorar os povos indígenas que muito antes de 1500
habitavam o Brasil, trago algumas contribuições no que diz respeito a nossa
gastronomia. A meu ver, a cozinha paraense é fundamentalmente baseada na cultura
indígena, sendo a mais genuína, autêntica e pura cozinha dentre as cozinhas presentes
em todos os estados do Brasil. Continua quase que imutável por utilizar ingredientes
que não se adaptam a outro terroir que não seja o nosso.
Câmara Cascudo, preconizou a mandioca – planta nativa da América do Sul –
como sendo o “pão do Brasil”, por estar presente, de uma forma ou de outra, na mesa
dos brasileiros. A mandioca, já era conhecida, utilizada e domesticada pelos povos
indígenas bem antes da chegada dos europeus em terras brasileiras.
Sabemos que a mandioca, precisa passar por cocção, pois possui alto teor de
ácido cianídrico (o veneno cianeto), essa informação já era sabida pelos povos nativos.
A nossa maniçoba – prato tradicional paraense, presente também em outros Estados do
Brasil, que tem como ingredientes principais a maniva, folha da mandioca, e carnes
salgadas – é um bom exemplo do que chamamos de cozinha de fusão.
A contribuição indígena e a herança gastronômica vem justamente, por exemplo,
da domesticação da mandioca (conhecimento em neutralizar o ácido cianídrico por meio
da cocção) e a herança portuguesa, por meio da utilização de toda a sorte de carnes
salgadas (a salga é um dos métodos de conservação mais antigos utilizado pelo
homem), por isso se diz que a maniçoba é resultado da fusão da cultura desses dois
povos.
Outro aspecto relevante, e que podemos perceber no nosso cotidiano, no que diz
respeito aos nossos hábitos alimentares, é que o nosso paladar ou gula, são comandados
pelas mãos: ir ao Ver-o-Peso e não provar um camarão salgado, um punhado de farinha,
experimentar uma, duas ou algumas castanhas do Pará, pegar uma pupunha e descascar
sem cerimônia e comer com gosto, ou então aquele tão famoso hábito, que é muito
particular nosso: “Ei mano, me dá uma prova?”, e lá se vai uma mordida, um pedaço ou
mesmo uma lambida no sorvete da Cairu. A comensalidade no sentido mais amplo da
palavra de dividir o alimento, compartilhá-lo com todos nunca foi tão literal.
Esse é um tema muito complexo, interessante e quase que inesgotável. Como
lhe disse ao inicio dessa nossa conversa, o meu intuito é rememorar o “abril
indígena”, e esse texto traz um pouco da contribuição dos povos indígenas para a
construção e identidade, únicos, da nossa gastronomia, que é uma das mais saborosas e
exóticas não só do Brasil, mas do mundo inteiro.
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